"Sempre fomos livres nas profundezas de nosso coração, totalmente livres, homens e mulheres.
Fomos escravos no mundo externo, mas homens e mulheres livres em nossa alma e espírito."
Maharal de Praga (1525-1609)

De volta ao estado original.


“Cada pessoa deve permanecer na condição em que estava ao ser chamada. Você era escravo ao ser chamado? Não permita que isso o incomode; apesar de você poder obter a liberdade, tire proveito dessa circunstância. Pois a pessoa que era escrava ao ser chamada é liberta no Senhor; da mesma forma, a pessoa chamada quando era livre é uma escrava do Messias. Vocês foram comprados por um preço; por isso, não se tornem escravos de outros seres humanos. Irmãos, cada um permaneça na condição em que Deus o chamou.” 1
Paulo, um apóstolo.


DIZER QUE JESUS TERIA DETERMINADO a pobreza  absoluta como prerrogativa para a salvação, é pender para um dos lados da balança. No tocante ao tema, precisamos achar o caminho do meio. Hoje em dia temos os dois polos muito bem representados. No lado dos que se fundamentam na riqueza como justificativa de salvação está a Teologia da Prosperidade com seus espetaculosos líderes e fundadores; no lado em que se prega a pobreza estrema como parâmetro para a mesma salvação está o atual Pontífice da Igreja Católica Romana, Francisco I. O caminho do meio é o caminho ensinado por Jesus. Esse caminho mediano está em manter vivos os valores da misericórdia que só são apreendidos quando nos tornamos necessitados, e quando, apesar de tudo, temos a possibilidade de ajudar aos que estão passando por necessidades. Entender e praticar é a sabedoria pregada por Salomão em Eclesiastes sete, do verso 16 ao 18:

“Não pretendas ser extremamente sábio; por que haverias de atrair sobre ti desolação? Não insistas também em ser perverso, nem queiras ser tolo; porque haverias de morrer antes da tua hora? Bom será que não te esqueças nem de um nem de outro pensamento, pois aquele que teme a Deus livrar-se-á de ambos.” 2

Depois de ensinar como era passar por necessidades e ser dependente da Misericórdia, Jesus foi restituindo, gradativamente, aos seus alunos, o status profissional de cada um. Antes de entrarem para a “escola da misericórdia”, eles possuíam bens, eram pescadores de sucesso, mas aceitaram o recrutamento do Messias para se tornarem “pescadores de homens”. Passar de um estado para outro é imprescindível para quem quer seguir a Jesus. Mas esse seguidor, esse aluno não perde sua profissão, não perde suas aptidões, não deixa de ter capacidade para se sustentar. Paulo é um dos maiores exemplos disso. Muitas vezes ele afirmou em suas cartas que era fazedor de tendas e se punha a costurar para vendê-las e se sustentar com o dinheiro do trabalho. Mas diz também que não seria vergonhoso ser sustentado pelas congregações as quais havia fundado e/ou estava ensinando, porém, ele preferia trabalhar como todas as demais pessoas.

Jesus mostrou aos seus alunos que ter uma profissão era necessário para exercer o ministério da Misericórdia. Não eram somente os alunos deles que deveriam lhes sustentar, eles precisavam possuir uma aptidão natural, uma profissão que lhes servisse de apoio na ausência dos recursos providos pelos alunos. Dois episódios me chamam atenção e ocorrem com Pedro.

No primeiro deles, Pedro e Jesus são abordados pelos cobradores de impostos do Templo. Lendo com cuidado os escritos do Novo Testamento podemos claramente perceber que naquele momento, Jesus possuía recursos financeiros para pagar aquele imposto, mas não o fez porque o dinheiro serviria para outra atividade, conforme se lê em João 12:4 a 8. Ele estimulou a Pedro, resolver o problema fazendo uso de sua profissão. Eis o relato do acontecido:

“E chegando eles a Cafarnaum, aproximaram-se de Pedro os que cobravam as dracmas, e disseram: O vosso mestre não paga as dracmas? Disse ele: Sim. E, entrando em casa, Jesus se lhe antecipou, dizendo: Que te parece, Simão? De quem cobram os reis da terra os tributos, ou o censo? Dos seus filhos, ou dos alheios? Disse-lhe Pedro: Dos alheios. Disse-lhe Jesus: Logo, estão livres os filhos. Mas, para que os não escandalizemos, vai ao mar, lança o anzol, tira o primeiro peixe que subir, e abrindo-lhe a boca, encontrarás um estáter; toma-o, e dá-o por mim e por ti.” 3

Voltar ao mar para pescar era voltar a exercer o conhecimento profissional. Mas ele não deveria se perder na delícia daquele momento. Deveria pegar o primeiro peixe que pescasse e vendê-lo 4 para pagar o que estava sendo cobrado pela religião. Nossa profissão nos salva da penúria. Não é por sermos pastores ou exercermos outra atividade dentro da – verdadeira – Igreja de Jesus que precisamos ficar com “pires não mão” 5. O ministério de ensino deve receber a retribuição daqueles que aprendem conosco, não como imposição, mas como valoração. Quando pastores, missionários, e outros mensageiros das boas notícias da Misericórdia, recebem uma ajuda para seu sustento, precisam ter em mente que essa ajuda vem por estarem necessitados, pobres, desprovidos do necessário. Só esses – necessitados – podem receber a retribuição, o dízimo. Mas o que se tem visto em nossos dias é o contrário 6. Os líderes religiosos estão na lista das pessoas mais ricas em quase todos os países 7.

O segundo momento em que Jesus relembrou a Pedro que ele possuía uma profissão foi num episódio pós-morte, no qual o mestre resgatou a autoconfiança profissional do amigo:

“E sendo já manhã, Jesus se apresentou na praia, mas os discípulos não conheceram que era Jesus. Disse-lhes, pois, Jesus: filhos, tendes alguma coisa de comer? Responderam-lhe: Não. E ele lhes disse: Lançai a rede para o lado direito do barco, e achareis. Lançaram-na, pois, e já não a podiam tirar, pela multidão dos peixes. Então aquele discípulo, a quem Jesus amava, disse a Pedro: É o SENHOR. E, quando Simão Pedro ouviu que era o Senhor, cingiu-se com a túnica (porque estava nu) e lançou-se ao mar.

E os outros discípulos foram com o barco (porque não estavam distantes da terra senão quase duzentos côvados), levando a rede cheia de peixes. Logo que desceram para terra, viram ali brasas, e um peixe posto em cima, e pão. Disse-lhes Jesus: Trazei dos peixes que agora apanhastes.

Simão Pedro subiu e puxou a rede para terra, cheia de cento e cinquenta e três grandes peixes e, sendo tantos, não se rompeu a rede. Disse-lhes Jesus: Vinde, comei. E nenhum dos discípulos ousava perguntar-lhe: Quem és tu? sabendo que era o Senhor. Chegou, pois, Jesus, e tomou o pão, e deu-lhes e, semelhantemente o peixe.” 9

A morte do Messias fez com que aqueles homens perdessem a ilusão. Voltaram ao ponto inicial de suas vidas, voltaram ao mar, voltaram para aquilo que sabiam fazer. Porém estavam destreinados, haviam passado três anos distantes do sustento que o mar proporcionava, andando de um lado para o outro, dependendo da misericórdia de outras pessoas, não eram mais pescadores de peixes, tornaram-se pescadores de gente. Foi nesse momento que Jesus lhes iluminou o entendimento e eles jogaram as redes como jogavam antes, passaram a fazer com destreza o que faziam antes; então a rede se encheu de peixes. O milagre é perceber que quando se é misericordioso e se possui uma profissão, há o reconhecimento de que não se é inútil. Milagre é viver a vida como ministério e o trabalho como profissão. Depois da autoestima recuperada e da autoconfiança redimida, eles participaram de um banquete oferecido por Jesus. Banquete realizado com os frutos do trabalho, com os peixes da pescaria.

Conciliar as atividades de semeador das boas notícias da Misericórdia Divina com vida profissional não é tarefa fácil. O ano de 2013 foi um ano maravilhoso para mim e para minha família. Maravilhoso porque passei o ano todo em casa, cuidando da comida, preparando banquetes diários, limpando em mim os cantos esquecidos. Passei a olhar a vida com mais reverência quando soube que havia um tumor em um dos lados da tireoide, e que não havia outra coisa a fazer senão a intervenção cirúrgica. Eu e minha família nos sentimos desamparados por Deus, quando nossa casa foi invadida e assaltada três vezes, em seis meses. Porém, ao mesmo tempo em que os assaltos aconteciam distantes dos nossos olhos, vimos o cuidado do Misericordioso em providenciar um cirurgião amigo que tratou da questão cirúrgica com muito carinho. Reconstruir a vida esperando o corpo sarar não foi fácil. Sem emprego para ajudar no sustento da casa, sem ajuntamento para ensinar, tudo no ano de 2013 e nesses primeiros meses de 2014, tem sido trágico e abençoante. Alguns meses depois da cirurgia Deus proporcionou a criação de um ajuntamento de pessoas para o aprendizado da Misericórdia; e foi nos primeiros encontros que surgiu a necessidade de escrever este texto, para que meus alunos pudessem saber o que penso sobre o dízimo. Naquele momento em um esboço do que escrevi até aqui, mostrei a eles meu entendimento em três “categorias de dízimo”, o de Abraão, o de Moisés e o de Jesus. O dízimo da misericórdia é o praticado por Abraão; o dízimo da lei é o praticado por Moisés; o dízimo de Jesus é o dízimo da esperança. Meu foco estava somente na questão do sustento puro e simples; mas por entender que o trabalho de ensino realizado na “Casa de Ensino” não é igual ao que se realiza em um templo, entendi que não poderia receber o dízimo deles. O dízimo da Lei não poderia ser dado à mim, por não ser uma instituição de ajuda social; também não poderia receber o dízimo da misericórdia – o dízimo de Abraão. Naquele momento eu entendia que a única contribuição que me cabia receber era o dízimo da esperança 9. Mas tudo se modificou no decorrer do tempo em que escrevia. Hoje entendo que não posso receber nenhuma das formas de dízimo, mas também posso receber todas elas. Tenho minha consciência tranquila porque nunca cobrei o dízimo de ninguém, nem mesmo quando dirigi uma igreja batista por quase cinco anos. Não sou um cobrador.

Tenho uma profissão e ela não é ser pastor, não sou pastor profissional. Sou publicitário, produtor gráfico e artesão, e junto com o amigo Daniel, produzimos anéis e braceletes de madeira, além da linha de produtos desenvolvidos por mamãe. No campo do serviço público sou Ouvidor credenciado por uma entidade reconhecida no Brasil. Mas tudo está parado, estou dentro de um “barco” reaprendendo a “jogar as redes”. Sinto como se Deus não tivesse me deixado realizar nada esse tempo todo, para que no fim de um ciclo, eu escrevesse sobre o que aprendi d’Ele quanto ao exercício da misericórdia, quanto ao verdadeiro dízimo. O que aprendi com o Misericordioso está em parte exposto neste pequeno texto: dízimo não tem nada a ver com dinheiro e com as contribuições obrigatórias aos templos e religiões. Dízimo tem a ver somente com socorro aos necessitados. Dízimo tem a ver com o valor da família!



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Notas – De volta ao estado original.
1. I Coríntios 7:20 a 24 – BJC, Editora vida, 2010.
2. Eclesiastes 7:16 a 18  – BH, Editora Sêfer, 2006.
3. Mateus 17.24 a 27 – BACF, Versão Digital 6.7, maio 2010.
4. “a moeda na boca do peixe”, entendo como uma metáfora, uma figura de linguagem, da mesma maneira que “o peixe morre pela boca”, por causa do anzol.
5. Adágio popular para tipificar um pedinte.
6. I Timóteo 3:3 a 10.
7. Segundo publicações da revista Forbes.
8. João 21:4 a 13 – BACF, Versão Digital 6.7, maio 2010.
9. I Coríntios 9:10 e 11 “...tudo mais que ele diz é por nossa causa. Sim, isso foi escrito a nosso favor e significa: ‘o que ara e o que debulha devem trabalhar com a esperança de participar da colheita’. Se plantamos entre vocês sementes espirituais, será muito colhermos algo material de sua parte?” - Bíblia Judaica Completa, Editora vida, 2010

Abreviações
BACF - Bíblia Almeida Corrigida e Fiel; BJC - Bíblia Judaica Completa; BH - Bíblia Hebraica; BNVI - Bíblia Nova Versão Internacional; ES - Escrituras Sagradas; BEP - Bíblia Edição Pastoral.

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