“Cada pessoa deve permanecer na condição em que estava ao ser chamada.
Você era escravo ao ser chamado? Não permita que isso o incomode; apesar de
você poder obter a liberdade, tire proveito dessa circunstância. Pois a pessoa
que era escrava ao ser chamada é liberta no Senhor; da mesma forma, a pessoa
chamada quando era livre é uma escrava do Messias. Vocês foram comprados por um
preço; por isso, não se tornem escravos de outros seres humanos. Irmãos, cada
um permaneça na condição em que Deus o chamou.” 1
Paulo, um apóstolo.
DIZER QUE JESUS TERIA DETERMINADO a pobreza absoluta como
prerrogativa para a salvação, é pender para um dos lados da balança. No tocante
ao tema, precisamos achar o caminho do meio. Hoje em dia temos os dois polos
muito bem representados. No lado dos que se fundamentam na riqueza como
justificativa de salvação está a Teologia da Prosperidade com seus
espetaculosos líderes e fundadores; no lado em que se prega a pobreza estrema
como parâmetro para a mesma salvação está o atual Pontífice da Igreja Católica
Romana, Francisco I. O caminho do meio é o caminho ensinado por Jesus. Esse
caminho mediano está em manter vivos os valores da misericórdia que só são
apreendidos quando nos tornamos necessitados, e quando, apesar de tudo, temos a
possibilidade de ajudar aos que estão passando por necessidades. Entender e
praticar é a sabedoria pregada por Salomão em Eclesiastes sete, do verso 16 ao
18:
“Não pretendas ser extremamente sábio; por que haverias de atrair sobre
ti desolação? Não insistas também em ser perverso, nem queiras ser tolo; porque
haverias de morrer antes da tua hora? Bom será que não te esqueças nem de um
nem de outro pensamento, pois aquele que teme a Deus livrar-se-á de ambos.”
2
Depois de ensinar como era passar por necessidades e ser
dependente da Misericórdia, Jesus foi restituindo, gradativamente, aos seus
alunos, o status profissional de cada um. Antes de entrarem para a “escola
da misericórdia”, eles possuíam bens, eram pescadores de sucesso, mas
aceitaram o recrutamento do Messias para se tornarem “pescadores de homens”.
Passar de um estado para outro é imprescindível para quem quer seguir a Jesus.
Mas esse seguidor, esse aluno não perde sua profissão, não perde suas aptidões,
não deixa de ter capacidade para se sustentar. Paulo é um dos maiores exemplos
disso. Muitas vezes ele afirmou em suas cartas que era fazedor de tendas e se
punha a costurar para vendê-las e se sustentar com o dinheiro do trabalho. Mas
diz também que não seria vergonhoso ser sustentado pelas congregações as quais
havia fundado e/ou estava ensinando, porém, ele preferia trabalhar como todas
as demais pessoas.
Jesus mostrou aos seus alunos que ter uma profissão era necessário para
exercer o ministério da Misericórdia. Não eram somente os alunos deles
que deveriam lhes sustentar, eles precisavam possuir uma aptidão natural, uma
profissão que lhes servisse de apoio na ausência dos recursos providos pelos
alunos. Dois episódios me chamam atenção e ocorrem com Pedro.
No primeiro deles, Pedro e Jesus são abordados pelos cobradores de
impostos do Templo. Lendo com cuidado os escritos do Novo Testamento podemos
claramente perceber que naquele momento, Jesus possuía recursos financeiros
para pagar aquele imposto, mas não o fez porque o dinheiro serviria para outra
atividade, conforme se lê em João 12:4 a 8. Ele estimulou a Pedro, resolver o
problema fazendo uso de sua profissão. Eis o relato do acontecido:
“E chegando eles a Cafarnaum, aproximaram-se de Pedro os que cobravam as
dracmas, e disseram: O vosso mestre não paga as dracmas? Disse ele: Sim. E,
entrando em casa, Jesus se lhe antecipou, dizendo: Que te parece, Simão? De
quem cobram os reis da terra os tributos, ou o censo? Dos seus filhos, ou dos alheios?
Disse-lhe Pedro: Dos alheios. Disse-lhe Jesus: Logo, estão livres os filhos.
Mas, para que os não escandalizemos, vai ao mar, lança o anzol, tira o primeiro
peixe que subir, e abrindo-lhe a boca, encontrarás um estáter; toma-o, e dá-o
por mim e por ti.” 3
Voltar ao mar para pescar era voltar a exercer o conhecimento
profissional. Mas ele não deveria se perder na delícia daquele momento. Deveria
pegar o primeiro peixe que pescasse e vendê-lo 4 para pagar o que
estava sendo cobrado pela religião. Nossa profissão nos salva da penúria. Não é
por sermos pastores ou exercermos outra atividade dentro da – verdadeira –
Igreja de Jesus que precisamos ficar com “pires não mão” 5. O
ministério de ensino deve receber a retribuição daqueles que aprendem
conosco, não como imposição, mas como valoração. Quando pastores, missionários,
e outros mensageiros das boas notícias da Misericórdia, recebem uma ajuda
para seu sustento, precisam ter em mente que essa ajuda vem por estarem
necessitados, pobres, desprovidos do necessário. Só esses – necessitados
– podem receber a retribuição, o dízimo. Mas o que se tem visto em
nossos dias é o contrário 6. Os líderes religiosos estão na lista
das pessoas mais ricas em quase todos os países 7.
O segundo momento em que Jesus relembrou a Pedro que ele possuía uma
profissão foi num episódio pós-morte, no qual o mestre resgatou a autoconfiança
profissional do amigo:
“E sendo já manhã, Jesus se apresentou na praia, mas os discípulos não
conheceram que era Jesus. Disse-lhes, pois, Jesus: filhos, tendes alguma coisa
de comer? Responderam-lhe: Não. E ele lhes disse: Lançai a rede para o lado
direito do barco, e achareis. Lançaram-na, pois, e já não a podiam tirar, pela
multidão dos peixes. Então aquele discípulo, a quem Jesus amava, disse a Pedro:
É o SENHOR. E, quando Simão Pedro ouviu que era o Senhor, cingiu-se com a
túnica (porque estava nu) e lançou-se ao mar.
E os outros discípulos foram com o barco (porque não estavam distantes da
terra senão quase duzentos côvados), levando a rede cheia de peixes. Logo que
desceram para terra, viram ali brasas, e um peixe posto em cima, e pão.
Disse-lhes Jesus: Trazei dos peixes que agora apanhastes.
Simão Pedro subiu e puxou a rede para terra, cheia de cento e cinquenta e
três grandes peixes e, sendo tantos, não se rompeu a rede. Disse-lhes Jesus:
Vinde, comei. E nenhum dos discípulos ousava perguntar-lhe: Quem és tu? sabendo
que era o Senhor. Chegou, pois, Jesus, e tomou o pão, e deu-lhes e,
semelhantemente o peixe.” 9
A morte do Messias fez com que aqueles homens perdessem a ilusão.
Voltaram ao ponto inicial de suas vidas, voltaram ao mar, voltaram para aquilo
que sabiam fazer. Porém estavam destreinados, haviam passado três anos
distantes do sustento que o mar proporcionava, andando de um lado para o outro,
dependendo da misericórdia de outras pessoas, não eram mais pescadores de
peixes, tornaram-se pescadores de gente. Foi nesse momento que Jesus
lhes iluminou o entendimento e eles jogaram as redes como jogavam antes,
passaram a fazer com destreza o que faziam antes; então a rede se encheu de
peixes. O milagre é perceber que quando se é misericordioso e se possui uma
profissão, há o reconhecimento de que não se é inútil. Milagre é viver a vida
como ministério e o trabalho como profissão. Depois da autoestima recuperada e
da autoconfiança redimida, eles participaram de um banquete oferecido por
Jesus. Banquete realizado com os frutos do trabalho, com os peixes da pescaria.
Conciliar as atividades de semeador das boas notícias da Misericórdia
Divina com vida profissional não é tarefa fácil. O ano de 2013 foi um ano
maravilhoso para mim e para minha família. Maravilhoso porque passei o ano todo
em casa, cuidando da comida, preparando banquetes diários, limpando em mim os
cantos esquecidos. Passei a olhar a vida com mais reverência quando soube que
havia um tumor em um dos lados da tireoide, e que não havia outra coisa a fazer
senão a intervenção cirúrgica. Eu e minha família nos sentimos desamparados por
Deus, quando nossa casa foi invadida e assaltada três vezes, em seis meses.
Porém, ao mesmo tempo em que os assaltos aconteciam distantes dos nossos olhos,
vimos o cuidado do Misericordioso em providenciar um cirurgião amigo que tratou
da questão cirúrgica com muito carinho. Reconstruir a vida esperando o corpo
sarar não foi fácil. Sem emprego para ajudar no sustento da casa, sem ajuntamento
para ensinar, tudo no ano de 2013 e nesses primeiros meses de 2014, tem sido
trágico e abençoante. Alguns meses depois da cirurgia Deus proporcionou a
criação de um ajuntamento de pessoas para o aprendizado da Misericórdia;
e foi nos primeiros encontros que surgiu a necessidade de escrever este texto,
para que meus alunos pudessem saber o que penso sobre o dízimo. Naquele momento
em um esboço do que escrevi até aqui, mostrei a eles meu entendimento em três “categorias
de dízimo”, o de Abraão, o de Moisés e o de Jesus. O dízimo da misericórdia
é o praticado por Abraão; o dízimo da lei é o praticado por Moisés; o dízimo de
Jesus é o dízimo da esperança. Meu foco estava somente na questão do sustento
puro e simples; mas por entender que o trabalho de ensino realizado na “Casa
de Ensino” não é igual ao que se realiza em um templo, entendi que não
poderia receber o dízimo deles. O dízimo da Lei não poderia ser dado à mim, por
não ser uma instituição de ajuda social; também não poderia receber o dízimo da
misericórdia – o dízimo de Abraão. Naquele momento eu entendia que a única
contribuição que me cabia receber era o dízimo da esperança 9.
Mas tudo se modificou no decorrer do tempo em que escrevia. Hoje entendo que
não posso receber nenhuma das formas de dízimo, mas também posso receber todas
elas. Tenho minha consciência tranquila porque nunca cobrei o dízimo de
ninguém, nem mesmo quando dirigi uma igreja batista por quase cinco
anos. Não sou um cobrador.
Tenho uma profissão e ela não é ser pastor, não sou pastor profissional.
Sou publicitário, produtor gráfico e artesão, e junto com o amigo Daniel,
produzimos anéis e braceletes de madeira, além da linha de produtos desenvolvidos
por mamãe. No campo do serviço público sou Ouvidor credenciado por uma entidade
reconhecida no Brasil. Mas tudo está parado, estou dentro de um “barco”
reaprendendo a “jogar as redes”. Sinto como se Deus não tivesse me
deixado realizar nada esse tempo todo, para que no fim de um ciclo, eu
escrevesse sobre o que aprendi d’Ele quanto ao exercício da misericórdia,
quanto ao verdadeiro dízimo. O que aprendi com o Misericordioso está em parte
exposto neste pequeno texto: dízimo não tem nada a ver com dinheiro e com as
contribuições obrigatórias aos templos e religiões. Dízimo tem a ver
somente com socorro aos necessitados. Dízimo tem a ver com o valor da família!
***
Notas – De volta ao estado original.
1. I Coríntios 7:20 a 24 – BJC, Editora vida, 2010.
2. Eclesiastes 7:16 a 18 – BH,
Editora Sêfer, 2006.
3. Mateus 17.24 a 27 – BACF, Versão Digital 6.7, maio 2010.
4. “a moeda na boca do peixe”, entendo como uma metáfora, uma figura de
linguagem, da mesma maneira que “o peixe morre pela boca”, por causa do anzol.
5. Adágio popular para tipificar um pedinte.
6. I Timóteo 3:3 a 10.
7. Segundo publicações da revista Forbes.
8. João 21:4 a 13 – BACF, Versão Digital 6.7, maio 2010.
9. I Coríntios 9:10 e 11 “...tudo mais que ele diz é por nossa causa. Sim,
isso foi escrito a nosso favor e significa: ‘o que ara e o que debulha devem
trabalhar com a esperança de participar da colheita’. Se plantamos entre vocês
sementes espirituais, será muito colhermos algo material de sua parte?” -
Bíblia Judaica Completa, Editora vida, 2010
Abreviações
BACF -
Bíblia Almeida Corrigida e Fiel; BJC - Bíblia Judaica Completa; BH
- Bíblia Hebraica; BNVI - Bíblia Nova Versão Internacional; ES -
Escrituras Sagradas; BEP - Bíblia Edição Pastoral.
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